Vantagens na criação e adesão às Comunidades de Energia num contexto de crise energética
O mundo como o conhecemos sofreu grandes alterações nos últimos anos. Após uma crise pandémica em que fomos forçados a alterar a nossa forma de conviver em sociedade, surge uma guerra Rússia-Ucrânia que precipita grandes alterações do ponto de vista energético para a Europa nos próximos anos, mergulhando-a numa crise energética sem precedentes.
Como forma de retaliação às sanções económicas aplicadas por parte da União Europeia, a Rússia cortou o fornecimento de gás à Polónia e à Bulgária, e reduziu as exportações para a Alemanha, com o gasoduto Nordstream I a operar a apenas 20% da sua capacidade, estando em equação o seu corte por completo. Dada a dependência europeia do gás russo, o seu preço disparou e, consequentemente, o preço de energia elétrica em toda a Europa escalou para valores nunca antes vistos.
No dia 27 de julho estes eram os preços de eletricidade previstos para o dia seguinte:
Fonte: www.euenergy.live
Fonte: www.epexspot.com/en/market-data
Na Europa central, os preços estão a rondar os 400 a 500€/MWh, entre 8 a 10 vezes mais do que há cerca de 2 anos, existindo a forte possibilidade dos preços escalarem ainda mais aquando da chegada do Inverno. Portugal e Espanha encontram-se igualmente com preços elevados, no entanto a sua menor dependência do gás russo (menos de 10% das suas importações de gás), permitiu o menor efeito de contágio no mercado ibérico. Para além disso, foi celebrado no mês de maio um pacto ibérico com a aprovação da União Europeia que prevê, durante 12 anos, a existência de um mecanismo de ajuste ao preço de gás, o qual permite a redução do preço de eletricidade de aproximadamente 50 a 70 €/MWh. Não nos esqueçamos que esta medida tem um carácter temporário.
Se olharmos para os preços futuros do mercado ibérico de eletricidade (MIBEL), vemos que os preços da energia elétrica nos próximos 2 anos encontram-se a ser negociados a 210€/MWh para 2023 e 145€/MWh para 2024, o que indica que os preços elevados vieram para ficar.
Empresas e famílias já vivem as consequências desta gritante escalada de preços. Nas empresas, o índice de preços na produção industrial (IPPI) registou um aumento de 25,7% em junho face ao período homólogo, tendo apenas a parcela da energia contribuído para mais de 50% deste aumento, existindo inclusive setores em que já se faz uma gestão horária das produções, dado existirem períodos que a tornam inviável. Para as famílias, a pressão reside diretamente na fatura de eletricidade mensal, com os sucessivos aumentos e indiretamente por via da inflação generalizada, que no mês de julho atingiu um valor impressionante de 9,1%.
Como podemos então atenuar esta situação? O autoconsumo individual, recorrendo a painéis solares fotovoltaicos, é um caminho interessante para se atingir este objetivo, no entanto por vezes é escasso dadas as reduzidas áreas disponíveis para a sua implantação, contribuindo para reduções pouco expressivas. E é neste ponto que o Autoconsumo Coletivo e as Comunidades de Energia podem ter um papel determinante.
Uma Comunidade de Energia nada mais é que um conjunto de produtores e consumidores conectados entre si num curto espaço geográfico, sendo a sua adesão aberta e voluntária. Os seus participantes podem produzir, consumir, armazenar e partilhar eletricidade gerada entre si e assim reduzir significativamente, quer a dependência da rede, quer a sua fatura de eletricidade.
Com a adesão a uma Comunidade de Energia, uma empresa garante que vai consumir energia limpa a preços muito inferiores aos praticados no mercado, contribuindo para a redução generalizada na fatura de eletricidade, dado ser possível abranger uma percentagem muito superior do seu consumo por energia barata e limpa, traduzindo-se indiretamente em custos de produção menores e, consequentemente, aumentar a sua competitividade face aos seus mais diretos concorrentes nacionais e europeus. Finalmente, e igualmente importante, o carácter social deste tipo de soluções, que promove a democratização do acesso a energia limpa e barata, contribuindo para a criação de valor nas localidades em que estão inseridos gerando uma melhoria das condições socioeconómicas a todos os participantes.
Para as famílias é um mecanismo importante na redução da fatura de eletricidade anual, sendo possível poupar de forma importante sem a necessidade de serem realizados investimentos consideráveis neste tipo de soluções, sobretudo num período em que as poupanças disponíveis poderão ser diminutas devido ao aumento da inflação, bem como a uma maior dificuldade em obtenção de crédito. Adicionalmente, poderá impulsionar o segmento residencial na adoção de veículos híbridos ou elétricos, mas também em sistemas de armazenamento recorrendo a baterias, uma vez que a diferença entre o preço de mercado e o preço praticado na comunidade pode tornar atrativos este tipo de investimentos e soluções.
Portugal encontra-se numa fase inicial na criação e adoção de Comunidades de Energia renovável, contudo este conceito estará certamente muito presente no mercado português e europeu nos próximos anos e será um forte catalisador da descarbonização de toda a economia europeia.
Rui Mendes, Engenheiro de Soluções Solares EU